segunda-feira, 16 de maio de 2016

fx. 7 – spanish caravan


O sol está prestes a nascer em terras castelhanas. As nuvens grossas lá do fundo, na linha mais parada da paisagem, confundem-se com os montes que as apoiam. Não consigo ver com nitidez a face de Jim por se encontrar ainda tudo meio na penumbra. Será isto que agora toma o nosso corpo, esta espécie de sentimento quente que nos embrulha em vontade de calcorrear estrada e comer pó, um contratempo genético, uma renúncia emancipada ao conforto sedentário de ter um tecto ou a herança nómada a querer tomar-me sorrateiramente? Não sei. Tenho, porém, algumas saudades de casa. E tenho de imaginar a expressão de Jim, porque mal o descortino desde que subimos naquela caravana que nos leva.



         A hora do lobo

            chegou ao fim. Cantam

            os galos. O mundo ergue-se

            de novo, agitando-se na

            escuridão.



Deixámos para trás Portugal e seguimos pela Andaluzia com os seus campos cobertos de verde. Dormimos meia-hora, se tanto. Sabemos o tesouro que espera por nós e não o queremos perder.



         Momento de Liberdade

            quando o prisioneiro

            pestaneja ao sol

            como uma toupeira

            a sair do seu buraco



os mais preguiçosos diriam que é uma dádiva transcendente, isto do nascer do sol, o problema está em ser em horas indecentes, desapropriadas ao burocrático descanso necessário a cada indivíduo, sem excepções. – Eles que se fodam - responde Jim aos meus pensamentos patéticos em voz alta. Na verdade, não há melhor espectáculo que ver subir, lentamente, em diferentes reflexos, nas montanhas de Espanha, aquela estrela teimosa e quente, que alumiou Cristo e Galileu e Pessoa e que agora nos alumia a nós. É um privilégio. Jim entende-o da mesma maneira.



         Temos de tentar encontrar uma nova

                                               resposta em vez de

                                                           um caminho



a poeira das estrelas está a assentar. Tudo em tons de prata e ouro. A linha do horizonte clareia-se sem pressa. Já nos vemos outra vez no interior da caravana enquanto o nevoeiro parece algodão disfarçando o frio que faz. Tantos anos, tantos séculos a investir e a gastar dinheiro e forças na construção de edifícios, na compra de camas e sofás e máquinas e sanitas, todos anos a dizer que estamos aborrecidos – que hipocrisia ultrajante, quando há mais metros quadrados para ver, tocar, cheirar, pisar, do que minutos que nos falta viver.



         - Porque nos chamas?

            Sabes o nosso preço. É

            sempre o mesmo. A tua morte

            dar-te-á vida

            & libertar-te-á de um destino

            vil. Mas está a ficar tarde.



Seguimos em paz, em nome d’El-Rei, desbravar montanhas húmidas, ouvir os ventos, falar-lhes, mirar as estrelas e conquistar o que não sabemos, mas conquistar. Já não é noite, mas ainda não é manhã. O sol de Espanha é surpreendentemente igual a outros que já vimos. Que desilusão. Vemos lebres a saltar, também, lá ao fundo, por já começar a terra a aquecer.

                                                                                                  (continua)

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