terça-feira, 3 de maio de 2016

fx. 2 - love street (primeira parte)


Moro aqui e de cá raramente saio. Aqui passo muito do meu tempo. De vez em quando gosto de descer à cidade e ir ao encontro de jovens inseguros e solitários que queiram por um momento ser felizes. Atestar aquele ponto minúsculo que permanece imóvel apenas à espera que o atinjamos sem nada fazer para se afastar de quem o quer confrontar. – Estamos então na rua do amor e vejo Jim suspirar em silêncio, verdadeiramente empenhado em saber o que vai acontecer enquanto nos aventuramos por ali adiante. A rua do amor tem uma casa e um jardim e de repente tudo o que conhecemos deixa de fazer sentido porque tudo ali é diferente. Mágico. Misterioso. E eu quero e Jim também, ver mais,



         Posso tornar-me invisível ou muito pequeno.

            Posso tornar-me gigantesco & alcançar as

            coisas mais longínquas. Posso mudar

            o curso da natureza.

            Posso colocar-me em qualquer lugar no

            espaço ou no tempo.

            Posso convocar os mortos.

            Posso percepcionar o que aconteceu noutros mundos,

            no mais fundo da minha mente,

            & nas mentes dos outros.



A rua do amor tem vestidos (com mulheres belas dentro), a rua do amor tem macacos (que saltam e pulam que nem loucos frenéticos) atrás dos vestidos (com mulheres belas dentro) e que lhes levantam as saias sem que elas se importem deixando desnudadas as pernas também belas que existem dentro daqueles vestidos, a rua do amor tem lacaios preguiçosos enfeitados com diamantes, como Jim e eu, ao que parece, mas sem os diamantes, ou talvez os diamantes sejam aqueles vestidos (com mulheres belas dentro) tal como aquela que ali nos levou até à rua do amor. E ela é sábia e sabe o que fazer e tudo faz com a maior das descontrações e nós na ânsia de não perdermos nada achamo-nos perdidos por tantas coisas que temos de observar ao mesmo tempo. Mas nem isso nos importa. Seguimo-la. Estamos possuídos. Ela tem-nos. O nosso desejo aumenta. A partir dali somos propriedade daquela mulher. Quase sinto um orgasmo pelo cheiro e pelas cores que nos envolvem naquele instante. A rua do amor é mágica. E misteriosa. Como aquela mulher que ali nos levou e agora nos revela que aqui vive. E nós ficamos com a certeza que ela é por aquelas bandas uma pessoa importante pelos cumprimentos e saudações, quase vénias, que lhe fazem enquanto passam levando-nos a nós como se fossemos os seus animais de estimação do momento para quem todos sorriem, sobretudo as mulheres belas que vão dentro dos vestidos. De repente paramos junto a uma casa, mais parece uma mercearia, ou um bar, talvez um bordel. Olhando para o interior reparamos que lá se encontram dezenas de mulheres iguais ou parecidas com aquelas com que nos cruzámos e homens como Jim e eu (lacaios, certamente) e ficamos por momentos a imaginar o que farão eles lá dentro. – Eu acho que gosto disto – resolvi finalmente dizer depois de tanto tempo em profundo silêncio. Olhei Jim que me respondeu com um ligeiro sorriso transviado ao mesmo tempo que também ele espreitava para o interior daquela… coisa. – Até agora – acrescentei.



A grande auto-estrada

está

cheia

d’

amantes

&

pretendentes

&

desistentes

tão

ansiosos

por

agradar

&

esquecer.



E fomos finalmente convidados a entrar - por aquela mulher. Claro que obedecemos. – Bem-vindos a minha casa – disse-nos a que ali nos levou quando já estávamos porém no seu interior, que agora vislumbrávamos decentemente, enorme e extravagante mansão apinhada de gente por todos os lados. A ela se dirigiram inúmeras pessoas para a saudar. E pela primeira vez escutámos aquele que seria o seu nome – Baby – ou aquele por que era conhecida por ali. Ridículo. Mas era utilizando-o que dela se aproximavam para de seguida a beijarem longamente na boca. Um a um, todos o fizeram, utilizando a própria língua para saborear a daquela mulher que lhes correspondia da mesma forma. Eles e elas. Os que estavam presentes. E depois nós. Jim e eu. Por todas aquelas mulheres e homens fomos saudados da mesma forma. E o que nos pareceu ao primeiro e segundo beijo uma forma estranha de nos ficarem a conhecer logo se tornou na situação normal como se exercida por alguém que desempenha uma qualquer tarefa corriqueira relacionada com trabalho. Andámos mais de uma hora naquilo, saindo dos braços e das línguas de uns e outros até chegar ao fim da linha que entretanto se tinha formado para aquilo que parecia um ritual de chegada de nova gente àquela casa. – É assim que nos saudamos aqui na rua do amor – disse-nos Baby quando chegámos perto dela exaustos e a suplicar por um sofá onde nos pudéssemos esticar e ao mesmo tempo beber um copo cheio de gin que pudesse ajudar a tirar rapidamente tantos sabores que eram sentidos naquele momento dentro das nossas bocas. – Mas quem és tu? – perguntei na esperança de ouvir algo que ainda não soubesse. – Eu sou Baby – respondeu – e esta é a vossa oportunidade para amar como nunca amaram nada nem ninguém. Aproveitem – e afastou-se deixando-nos entregues a nós próprios no meio de toda aquela gente desconhecida e com alguns estranhos métodos de actuação. Sentámo-nos finalmente com dois copos bem cheios nas mãos que emborcámos num piscar de olhos e sem desperdiçar tempo pegámos noutros dois. Só então começamos a olhar atentamente em nosso redor.

                                                                                   (continua)

Sem comentários: