O vento de inverno congela a estação, nem parece
que estamos no verão. Só pode ser do local onde nos encontramos. Jim esfrega as
mãos, eu também e a seguir enterro-as até onde posso nos bolsos da frente das
calças. A temperatura caiu e nem demos por isso, embora por ali nos apeteça
continuar. Prosseguimos apesar do vento fresco que quase nos corta as faces
como lâminas disparadas em catadupa vindas de todos os lados. Sentimos dor, mas
sabemos por intuição que nada nos fará parar. Estamos capazes de suportar tudo.
É óbvio que estamos apaixonados ou pelo menos esperamos. Só isso nos faz
entender o facto de conseguirmos suportar tanta dor naquele momento. – Mas o vento é tão frio, é esse o motivo?
– pergunta Jim. – Qual motivo? –
disse-o estupidamente. Seria verdadeiramente frio ou o nervoso que se apoderava
de ambos? Sabíamos bem que tudo seria superado, o frio, se pudéssemos tocar todos os pedaços de pele da nossa
amada, tocá-la e sentir as mãos dela a tocar-nos. Sabíamos isso agora. Aquele
vento de inverno que nos congelava os ossos não era mais que a inexplicável
maneira que tínhamos para contornar o que na verdade sentíamos ou podíamos
sentir lá no fundo, no interior, bem dentro de nós. A chama imensa que nos
sufoca e que exposta ao vento do litoral se transforma e quase nos congela.
Onde estão os meus sonhadores
Hoje & esta noite?
Onde estão os meus bailarinos
pulando loucamente
rodopiando & gritando?
Onde estão as minhas mulheres
sonhando em sossego
como anjos apanhadas
no escuro pórtico
de um rancho de veludo
dancem dancem dancem dancem
dancem dancem dancem
- vem dançar
comigo, querida – gritei eu a ninguém, ao vento talvez. Jim observava. E eu
sentia um delírio que se apoderava de mim. Atirei-me na direcção dele e tornei
a gritar: - O inverno está tão frio este
ano.
Os teus olhos
perturbam-me
infinitamente
era difícil de admitir mas saltava-nos à memória
Lunna, como uma personagem que numa qualquer vida anterior se nos tivesse
atravessado na frente mas que mal lembrávamos. Aquela era a possibilidade mais
semelhante com o que quer que pudesse mexer dentro de nós. O mal, o bem, o riso
e o choro. Tudo se concentrava numa só imagem e ela espelhava claramente a
silhueta de Lunna, mais ninguém. Já não sabíamos discernir entre sonho e
realidade. Naquele instante, ali mesmo, nem Jim nem eu conseguíamos conciliar o
que estávamos a vivenciar. Um sonho ou pura realidade? Mas o frio sentido era
de tal forma intenso que achámos por bem acreditar que continuamos, por
incrível que pareça, despertos de sonos. Só mesmo Lunna poderia ser tão quente.
Tão quente que estupidamente sentimos que era uma lástima tê-la como um amor de
inverno. Talvez fosse uma saída. Ela, só
ela poderia ajudar a ultrapassar aquele frio, foi um pensamento lógico e em
simultâneo o que tivemos, mas não passou disso mesmo. Um pensamento. Sem
sentido. O vento enfim não parou, pelo contrário, fez-se sentir gélido, triste,
siberiano – disseram na tv, - ao ponto de causar fortes tempestades no mar, no
nosso mar, aquele que nos rodeava, o que estava bem presente, junto a nós desde
o princípio do tempo que nos uniu.
Ouviu-se de súbito o ruído dum disco
que atordoou a terra. A
música
tinha sido libertada c/ um novo som.
Corre, corre o descanso
acabou
agita-se um novo hino
os maus estão a ganhar.
Só havia uma justificação. Não restavam dúvidas de
que o amor anteriormente sentido por Lunna se tinha perdido, só poderia ser
esse o motivo. Seria? Ou talvez fosse essa a nossa vontade. Lá bem no fundo
sabíamos que estávamos desesperadamente a tentar ser livres. Sem equívocos.
Embora não nos importássemos de ter Lunna para dispor naqueles momentos mais
animalescos que muitas vezes ao dia se apoderam de nós. É nesse sentido que,
concertadamente, consideramos que o melhor é apaparicá-la de vez em quando. - Uma mulher não resiste a um convite para
dançar, pois não, Jim?
O condutor orienta o carro
& este conduz-se a si próprio.
Os túneis
dão estalidos por cima das nossas
cabeças.
- Vem dançar
comigo, querida – voltei a gritar deixando Jim desfeito em lágrimas. De
satisfação. O inverno está tão frio este ano e tu és tão quente para ser o meu
amor de inverno.
(continua)
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