quarta-feira, 11 de maio de 2016

fx. 5 - wintertime love


O vento de inverno congela a estação, nem parece que estamos no verão. Só pode ser do local onde nos encontramos. Jim esfrega as mãos, eu também e a seguir enterro-as até onde posso nos bolsos da frente das calças. A temperatura caiu e nem demos por isso, embora por ali nos apeteça continuar. Prosseguimos apesar do vento fresco que quase nos corta as faces como lâminas disparadas em catadupa vindas de todos os lados. Sentimos dor, mas sabemos por intuição que nada nos fará parar. Estamos capazes de suportar tudo. É óbvio que estamos apaixonados ou pelo menos esperamos. Só isso nos faz entender o facto de conseguirmos suportar tanta dor naquele momento. – Mas o vento é tão frio, é esse o motivo? – pergunta Jim. – Qual motivo? – disse-o estupidamente. Seria verdadeiramente frio ou o nervoso que se apoderava de ambos? Sabíamos bem que tudo seria superado, o frio, se pudéssemos  tocar todos os pedaços de pele da nossa amada, tocá-la e sentir as mãos dela a tocar-nos. Sabíamos isso agora. Aquele vento de inverno que nos congelava os ossos não era mais que a inexplicável maneira que tínhamos para contornar o que na verdade sentíamos ou podíamos sentir lá no fundo, no interior, bem dentro de nós. A chama imensa que nos sufoca e que exposta ao vento do litoral se transforma e quase nos congela.



         Onde estão os meus sonhadores

            Hoje & esta noite?

            Onde estão os meus bailarinos

            pulando loucamente

            rodopiando & gritando?



            Onde estão as minhas mulheres

            sonhando em sossego

            como anjos apanhadas

            no escuro pórtico

            de um rancho de veludo

            dancem dancem dancem dancem

                            dancem dancem dancem



- vem dançar comigo, querida – gritei eu a ninguém, ao vento talvez. Jim observava. E eu sentia um delírio que se apoderava de mim. Atirei-me na direcção dele e tornei a gritar: - O inverno está tão frio este ano.



         Os teus olhos

            perturbam-me

            infinitamente



era difícil de admitir mas saltava-nos à memória Lunna, como uma personagem que numa qualquer vida anterior se nos tivesse atravessado na frente mas que mal lembrávamos. Aquela era a possibilidade mais semelhante com o que quer que pudesse mexer dentro de nós. O mal, o bem, o riso e o choro. Tudo se concentrava numa só imagem e ela espelhava claramente a silhueta de Lunna, mais ninguém. Já não sabíamos discernir entre sonho e realidade. Naquele instante, ali mesmo, nem Jim nem eu conseguíamos conciliar o que estávamos a vivenciar. Um sonho ou pura realidade? Mas o frio sentido era de tal forma intenso que achámos por bem acreditar que continuamos, por incrível que pareça, despertos de sonos. Só mesmo Lunna poderia ser tão quente. Tão quente que estupidamente sentimos que era uma lástima tê-la como um amor de inverno. Talvez fosse uma saída. Ela, só ela poderia ajudar a ultrapassar aquele frio, foi um pensamento lógico e em simultâneo o que tivemos, mas não passou disso mesmo. Um pensamento. Sem sentido. O vento enfim não parou, pelo contrário, fez-se sentir gélido, triste, siberiano – disseram na tv, - ao ponto de causar fortes tempestades no mar, no nosso mar, aquele que nos rodeava, o que estava bem presente, junto a nós desde o princípio do tempo que nos uniu.



         Ouviu-se de súbito o ruído dum disco

                        que atordoou a terra. A música

            tinha sido libertada c/ um novo som.

                        Corre, corre o descanso acabou

            agita-se um novo hino

                        os maus estão a ganhar.



Só havia uma justificação. Não restavam dúvidas de que o amor anteriormente sentido por Lunna se tinha perdido, só poderia ser esse o motivo. Seria? Ou talvez fosse essa a nossa vontade. Lá bem no fundo sabíamos que estávamos desesperadamente a tentar ser livres. Sem equívocos. Embora não nos importássemos de ter Lunna para dispor naqueles momentos mais animalescos que muitas vezes ao dia se apoderam de nós. É nesse sentido que, concertadamente, consideramos que o melhor é apaparicá-la de vez em quando. - Uma mulher não resiste a um convite para dançar, pois não, Jim?



         O condutor orienta o carro

            & este conduz-se a si próprio. Os túneis

            dão estalidos por cima das nossas cabeças.



- Vem dançar comigo, querida – voltei a gritar deixando Jim desfeito em lágrimas. De satisfação. O inverno está tão frio este ano e tu és tão quente para ser o meu amor de inverno.


                                                                                                             (continua)

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