Tenho razão?
Claro que tenho.
Eu sei o que quereis.
Quereis êxtase
Desejo & sonhos.
Coisas não exactamente o que
parecem.
Eu conduzo-vos por este caminho, ele
puxa para aquele caminho.
E deparamos
com uma jovem morena que nos sorri e acena e depois se encaminha na nossa
direcção. – Eu sou aquela que procuram, a
que em toda a vida desejaram e nunca tiveram. Eis-me aqui. – Foi assim que
ela se foi chegando, sem que disséssemos nada, sem que a mandássemos vir. E foi
esse atrevimento nas palavras que nos dirigiu que nos deixou até certo ponto
atónitos e ao mesmo tempo agradados. Naquele instante nem Jim nem eu sentimos
qualquer vontade de questionar a sua ousadia. A mulher era bela e a tesão que
sentíamos superava todo e qualquer anseio para questionarmos tamanho
atrevimento que de certa forma pudéssemos eventualmente sentir. Por isso
deixámos que continuasse. – Eu sou Lunna,
aquela que melhor espelha o que nunca tiveram oportunidade de imaginar por
nunca ter sequer passado pela vossa cabeça tornarem-se complemento do que quer
que fosse ou de alguém. Mas eu aqui andava e por vós já buscava quando o mundo
era ainda uma pedra intacta, quando as coisas ainda procuravam os nomes. Eu já
os procurava desde o começo dos mares, dos tempos, até mesmo quando deus ainda
procurava companhia. Eu já os procurava desde a idade do gelo. Sou parte das
vossas almas. Eis-me aqui finalmente junto a vós para os acalentar. – Jim
não mexeu sequer uma pestana após o que tínhamos acabado de escutar e eu
resisti talvez catorze segundos até emborcar nova carga de gin apenas para não
me faltar o ar de um balão que já parecia estar completamente enrugado de tão
vazio que se apresentava. Somente com a sua imagem e o pouco que nos tinha dito
Lunna conseguiu transformar-nos nos seres mais importantes e ao mesmo tempo
mais impotentes dos presentes ali naquela… coisa, casa, mansão. Na rua do amor.
Armadilha, teremos pensado.
Continuámos à espera para ver que mais se seguia. E ouvir talvez o que Lunna
tivesse para acrescentar ao que já tinha sido dito. E ela continuou como se ali
não estivéssemos, ou como se não fossemos nós aqueles a quem se dirigia. Talvez
Lunna estivesse por ali à espera dos primeiros que lhe aparecessem naquela
mesma noite para lhes transmitir aquilo que há muito ela parecia julgar que
eles estariam à espera de escutar. Na verdade, embora a quantidade de
interrogações para as quais não existiam respostas no momento, vi Jim intrigado
e, isso, apesar de tudo o resto, mesmo o mais absurdo, não era nada normal, o
que me deixou a mim ainda mais confuso.
Os actores estão reunidos
depressa ficam
encantados
Eu, por mim, estou em êxtase
Cativado
Conseguirei convencer-te a sorri?
Inesperadamente,
Lunna respondeu ao chamamento e ao anseio de Jim esboçando um sorriso que
revelou todo o encanto máximo que alguma vez um humano pode imaginar noutro. E
de seguida sentou-se a nosso lado. Durante largos minutos ficámos em silêncio
apenas a observar o que se passava à nossa volta. Sem nunca trocarmos palavras
fomos desfrutando com alguma passividade da excitação existente entre a maioria
dos que ali estavam e que trocavam carícias entre si, nalguns casos as relações
pareciam intermináveis, gestos e toques, carícias que pareciam não ter fim. Com
os membros erectos os homens que ali estavam pareciam dispostos a tornar os
parceiros mais chegados nos seres mais preenchidos do universo, talvez da
noite, apenas daquela noite. A saliva corria a rodos, talvez até mais do que o gin e todos os restantes cocktails de cores várias que aqui e ali
íamos vendo por entre mãos de homens e mulheres. Entre grupos diversos existia
um rodopiar constante e até frenético que aos poucos nos parecia embriagar só
de olhar. Homens, mulheres, homens, eles mais do que elas embrulhando-se uns
nos outros e nas outras como se das pessoas mais apaixonadas ao cimo da terra
se tratassem. Ou talvez fosse isso mesmo e nós ainda não o tivéssemos descoberto.
A fazer fé nas palavras de Baby e Lunna… talvez…
Eu não sabia o que
era ser verdadeiro
pensava que tudo isto era uma
brincadeira,
nunca deixei o horror,
a doçura & a dignidade
penetrarem-me o cérebro
e ali
estávamos agora com uma imensidão enorme de expectativas que entretanto se
tinham apoderado de nós. Naquela altura só desejávamos ser conduzidos por
alguém. E quem melhor que Lunna para nos levar?
E assim
passaram dois anos
Agora o mundo dela era laranja vivo
E o fogo brilhava
A amiga dela teve um bebé
E vivia connosco
Sim, entrámos pela janela
Sim, batemos à porta
O telefone dela não respondeu,
Sim, mas ela ainda está em casa
O pai dela não prestou muita atenção
& a irmã é uma estrela
& a mãe fuma diamantes
& ela dorme cá fora no carro
Sim, mas ela recorda Chicago
Os músicos & as guitarras
& a relva junto ao lago
& as pessoas que riam
& faziam o seu pobre coração
sofrer
Agora vivemos no vale
Trabalhamos na quinta
Subimos às montanhas
& tudo vai bem
& eu ainda aqui estou
& tu ainda aí estás
& nós ainda por aí andamos
aquele
tempo que nos mantivemos em silêncio profundo como mudos e surdos ao mesmo
tempo pareceu infindável. Nas nossas cabeças passaram imagens de películas
quase de todos os tempos deixando em nós a ideia de tempo que passou sem nunca
ter passado na verdade. Terão sido trinta, quarenta minutos de emoções que não
conseguimos conter. E quando como que despertámos olhámos à nossa volta e
estávamos sós. Jim, eu… e mais ninguém. Mais nada, nem ninguém, nem coisa
nenhuma. Sem sinais de mansão, de alguma vez por ali ter existido aquela rua
que nos pareceu antes ser como a vimos, ou talvez não. Naquele instante, Jim
deu dois passos à frente para tentar perceber o que se tinha passado e eu
acompanhei-o. E ficámos, assim, a olhar para… nada. Exactamente o que víamos
ali onde nos encontrávamos: nada. Uma imagem vazia. Sem gente, nem cor, nem
casas. Ou movimento. Uma imagem quase irreal. O Nada afinal existe. E nós
tínhamos conseguido lá chegar. Quis tentar perceber o que era aquilo para obter
algum tipo de descrição e mais tarde poder falar do assunto mas revelava-se
difícil. Como descrever algo que não existe? Como utilizar palavras ou
pensamentos para descrever o Nada sendo que ele é isso mesmo? Sabem aquele vazio
que existe em cada um de nós quando estamos de profunda ressaca depois de uma
noite alegremente encharcada com o vinho mais rasca que se possa imaginar?
Aquela abstracção desejada, às vezes forçada para amenizar a dor até que a
ressaca se vá embora? Pois, sem qualquer evidência de esforço era isso que se
passava naquele momento. O nosso olhar perdia-se e cruzava-se com coisa nenhuma
por algo que não estava ao nosso alcance. Sem dor, se é que me faço entender,
sem atalhos nem ressentimentos. Como se tivéssemos acabado de despertar para o
mundo que embora soubéssemos já existir mas tal como um bebé prematuro que
ainda nem sequer consegue abrir os olhos por não ter chegado a esse estádio de
desenvolvimento. O único entendimento perceptível era o de que estávamos ali e
vivos. Tudo o resto se é que alguma vez fez parte das nossas vidas não nos
apoquentava. Uma estranha sensação de recomeço apodera-se rapidamente de mim e
quero acreditar que de Jim também. Alguma coisa ou alguém nos tinha concedido a
possibilidade de podermos reescrever a história, a nossa história a partir
deste momento em que nos achamos no perfeito vazio preenchidos por coisa alguma
em torno de nada. O que quer que tivesse acontecido pouco importava, o que nos
tivesse feito chegar àquele estado pouco interessava. Só tínhamos presente a
ideia de que a partir dali as coisas seriam como desejássemos que fossem, pois
nada ainda estava feito. Tínhamos por isso tudo por fazer e para fazer. As
nossas vidas podiam ser reescritas. Era essa a nossa oportunidade, uma
possibilidade que nos foi concedida sabe-se lá por quem(?), nem era isso que nos importava sequer. Partimos então deste
momento em que Nada existe, nada acontece, para algo que irá (re)criar memória
entre nós. Apenas comungamos a vontade de o fazer devagar, sem solavancos, nem
bocejos.
Por vezes quando tudo é
levado ao extremo
e tudo o que é feio se dilui
num sono profundo
Há um despertar
e tudo o que fica é verdadeiro.
À medida que o corpo se destrói
o espírito torna-se mais forte.
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