segunda-feira, 30 de maio de 2016

fx. 10 – yes, the river knows


Sabes, Jim, eu já vi, ouvi e vivi tanta coisa sobre amor, sobre relacionamentos, sobre como eles deveriam ser e como eles são, sobre o que é certo, o que é errado. E no final das contas continuo sem saber. A verdade é que te sentes como se estivesses parado, no centro de um rio bem fundo, com apenas duas opções para escolher.



         Que fazeis aqui?

            Que quereis?

            É música?

            Podemos tocar música.

            Mas vós quereis mais.

            Quereis algo & alguém novo.



Escuta, podes continuar a nadar com um esforço quase sobrenatural, ir buscar fôlego lá bem ao fundo da alma para chegares até à outra margem e talvez, só talvez, encontres algo de bom para além de ganhares como prémio aquela sensação serena de missão cumprida.



O presente é abençoado

O resto

recordado



Mas ainda tens a segunda opção. Se o medo pelo desconhecido for muito grande podes simplesmente voltar, podes nadar todo o caminho de volta com a consciência a queimar por saberes que o esforço feito para chegar lá foi em vão. E analisando assim as coisas até parece fácil escolher, mas na verdade não acho que seja.



         Há um público para o nosso drama.

            Mágica máscara de sombra.

            Como o herói de um sonho, trabalha para nós,

                                    a nosso favor.



            A que distância está isto de uma cópia final?



            Caio. Doce treva.

            Estranho mundo que espera & observa.

            Velho pavor da não-existência.



            Se não é problema, porque mencioná-lo?

            Tudo o que se disse significa isso,

            o seu contrário & tudo o mais.

            Estou vivo. Estou a morrer.



Caso voltes, Jim, sabes exactamente o que vais encontrar. Sentimentos e situações que já conheces com a ponta dos dedos. Feridas cicatrizadas. Não te magoam mais. Já aprendeste a lidar com todas. Mas caso continues, se é que o cansaço te vai permitir chegar até à outra ponta do rio, não fazes ideia do que te espera. Não sabes se vais ser capaz de lidar com tudo, comigo, contigo, com os outros.



            Domínio dos lançamentos

            Dor no deserto

            Cruel ambiente na água

            doce peixe nadador o anzol sorri

            Eu amo-vos durante esse tempo

            mesmo c/ a criança

            pela mão

            & em apuros



            Estás a aprender

            depressa



            Afasta-te do passeio

            ouve as crianças no recreio

            Sol Cobra / Sorriso Febre

-          Nenhum homem me mata



«Quem é o louco mensageiro?»



Em tempos como estes necessitamos

à nossa volta de homens que possam

ver com clareza & dizer a verdade.



Sem respirar



            Testemunha em fúria



todos os pensamentos se misturam e te confundem, Jim. Se tu fosses criança e estivesses com aquela velha e colorida bóia a envolver-te a cintura sabes que não estarias com medo. Normalmente isso dava-te tempo para pensar. Agora não te podes dar a esse luxo.



            Porquê o desejo de morte?



            Um papel liso ou uma pura

                        parede branca. Uma linha

            falsa, um rabisco, um erro.

            Indelével. Tão obscuro

            ao acrescentarem-se milhões de outros

            traços, misturando-os,

            cobrindo-os por cima.



            Mas o esboço original

            fica, escrito em

            sangue dourado, brilhando.



            Desejo de uma Vida Perfeita



precisas de uma decisão imediata porque já nem tens bóia nenhuma. Neste momento a tua sorte é teres aprendido a nadar mas isso não te vai manter seguro por muito tempo.



         Estar bêbado é um bom disfarce.



            Bebo para

            poder falar aos idiotas.

            O que me inclui.



Droga, mais um segundo nessa indecisão e sabes que vais afundar.

                                                                                             (continua)

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Daniel


- Campeão(!), não achas que já está na hora de acordar? Daqui a nada é noite outra vez e ainda não saíste da cama - foi assim aos gritos que o Daniel resolveu entrar pelo quarto quase me provocando um ataque cardíaco. Ainda estava a esfregar os olhos que me pareciam colados quando o ouvi voltar à carga: - Não julgues que te safas, tens de me contar tudo, mas primeiro veste-te, trouxe-te uma camisa e umas calças lavadas. Anda lá, vamos beber uma cerveja.

Peguei no relógio para ver as horas e Daniel, como se estivesse ligado à corrente, voltou a gritar:

- São cinco da tarde, pá, deves ter tido uma noite do caraças.

- Não precisas de gritar, Daniel, elas ainda te vão ouvir.

- Elas já se levantaram há muito tempo, saíram ainda antes das duas horas. Queres ir à praia? Sei onde elas costumam estar.

- Não, nem pensar, vamos mas é ali à esplanada. Preciso de comer alguma coisa, sinto o estômago a reclamar.

                                                                                                          (continua)

segunda-feira, 23 de maio de 2016

fx. 9 – we could be so good together


cada dia é uma viagem pela história



talvez Deus queira que nós conheçamos algumas pessoas erradas, Jim, antes de encontrarmos a pessoa certa, para que saibamos, ao encontrá-la, agradecer por essa bênção.



Uma espécie de ignorância,

de auto-decepção podem ser

necessárias à sobrevivência

do poeta.



Quando a porta da felicidade se fecha, outra porta se abre, Jim. Porém, estamos tão presos àquela porta fechada que não somos capazes de ver o novo caminho que se abriu.



Bem, eu conhecia alguém encantador

Ela usava fitas laranjas no cabelo

Era cá uma tripe

Sempre fora

Mas eu amava-a

Mesmo assim.



O melhor amigo é aquele com quem nos sentamos por longas horas sem dizer uma palavra e ao deixá-lo temos a impressão de que foi a melhor conversa que já tivemos, Jim. Ao darmos a alguém todo o nosso amor nunca temos a certeza de que iremos receber esse amor de volta.



Víamos a chuva da janela

O rádio estava partido

Mas ela sabia conversar, oh sim,

Aprendemos a falar

E assim

passou um ano



Não se deve amar esperando algo em troca, Jim, tens é que esperar que esse sentimento cresça no coração daquele que amas e se isso não acontecer tens que te sentir feliz por esse sentimento estar a crescer dentro de ti.



Ter acabado de chegar e perguntar

se o mundo é real está

morto por ver a forma de que ela

é feita.            Que loucura

errante aos poucos criámos?



Numa questão de segundos apaixonamo-nos por alguém, Jim, mas nos entanto levamos uma vida inteira para esquecer alguém especial.



Claro que ninguém queria dizer isso

mas de certeza alguém começou

Onde está ele?

Onde está ele ou isso quando

precisamos dela?

       Onde estás tu?

       numa flor?



       Ter nascido

                   para a beleza & ver a tristeza

       O que é esta frágil doença?



Não procures boas aparências, elas podem mudar, Jim. Só precisamos de um sorriso para transformar um dia mau. Existem momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que aquilo que mais queremos é arrancar essa pessoa dos nossos sonhos e abraçá-la.



Adoro ouvir-te rapaz sem destino

garanhão missionário.



Sonha com aquilo que quiseres, Jim, vai para onde quiseres ir, sê o que quiseres ser, porque na verdade possuis apenas uma vida e nela, Jim, só temos uma chance para fazer aquilo que queremos.

                                                                                                      (continua)

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Sono interrompido


Acordei com a sensação de ter ouvido o barulho de uma porta a fechar. Ainda meio a dormir nem abri os olhos para ver o que se tinha passado e imaginei que talvez fosse uma das empregadas que fazia a limpeza dos quartos que ao entrar por ali adentro logo saiu depois de deparar comigo ainda na cama. Com dificuldade abri um olho e quase ceguei com a claridade que entrava pela única janela existente e que inundava por completo todo aquele espaço que tresandava a sexo. Dei por mim deitado entre duas louras completamente nuas. Os lençóis, se existiam, deveriam estar caídos no chão. Não os conseguia ver. Nem conseguia imaginar que horas seriam. A única coisa que consegui recordar naquela altura era que já tinham nascido os primeiros raios de sol quando Agnetha, Anni e eu caímos profundamente no sono, extenuados depois de uma longa maratona de sexo.

Com cuidado e em silêncio resolvi levantar-me depois de conseguir retirar de cima do meu braço direito a cabeça de Anni que ainda dormia profundamente. Peguei na primeira toalha que encontrei, coloquei-a à cintura, deitei novo olhar às suecas e terei esboçado um sorriso antes de sair daquele quarto e reentrar rapidamente no meu. Depois de pendurar do lado de fora da porta o cartão que diz: Não Incomodar - entrei na casa-de-banho e deixei que, sobre mim, durante largos minutos, chuveirasse água quase gelada. Depois de me secar ainda me sentia exausto e deixei-me cair para cima da cama daquele quarto que ainda não tinha sido desfeita. Olhei para o relógio que não tinha tirado do pulso e reparei que já passava do meio-dia. Pelo que me lembrava, teria dormido pouco mais de cinco horas, insuficiente para a energia despendida pelo meu corpo que durante mais de três horas tinha estado enrolado entre Anni e Agnetha. Antes de cair rapidamente num sono profundo, e apesar do cansaço, senti o sorriso estampado no rosto, como se estivesse colado na minha cara.

                                                                                                (continua)

quinta-feira, 19 de maio de 2016

fx. 8 – my wild love


Durante séculos, inertes no infinito, estrelas entreolham-se no amor mal resolvido. A língua em que murmuram é rica e bela mas nunca ninguém irá entendê-la. Porém, Jim e eu temos aprendido a decifrar aquela forma de comunicar que elas utilizam. Na teoria e na prática porque a face em que orbitamos serve-nos de gramática.



         Os  Quatro Caminhos

                        um lugar onde os fantasmas

                        se encontram para sussurrar

                        ao ouvido dos viajantes &

                        interessá-los pelos seus destinos



O mundo é tolo, cego e cada vez mais descarado. Que disparate, Jim, dizerem que não tens caracter. O teu amor selvagem foi embora, cavalgando, cavalgando. O mundo é tolo e cego e não te saberá dar valor. O teu amor selvagem foi embora, cavalgando, cavalgando. Os teus beijos foram tantos que os lábios deles ainda estão em carne viva. E ainda te exigem outros tantos para curar a ferida que tu próprio lhes causaste. Mas não te preocupes, Jim, em apressar o expediente. A noite é longa, Jim, e o teu doente é paciente.



         - Encontraste a tua Voz,

            amigo, depois de tudo o mais

            depressa reconheço o

            Tom seguro e enérgico de

            um poeta

            era uma questão de procura ou de sufoco?



Há muito que já perdura esta convivência tão fraterna, quando eu respiro, tu aturas-me, se te enraiveces, eu tolero. Algumas vezes, convenhamos, cruzaste as raias do mau gosto, mas a nossa amizade agora cresce a cada dia e nunca pára, tornei-me em alguém que se enraivece também, estou a ficar com a tua cara.



         toda a gente tem a Sua magia

            Não há morte

            por isso nada interessa

            Alto Estilo

            Aparece & perdoa-me

            sapatos de polimento

            perfeita combinação

            educação em desalinho

            triunfo do amor

            eterna esperança & satisfação



Os grandes deuses dormem envoltos numa nuvem cinza. Jim e eu escutamos como eles roncam alto, aproxima-se uma tempestade. Que tempo atroz! Ela quer destruir a embarcação e grita como um pássaro e geme como um gato. A morna fragilidade da tua alma não combina com o meu amor selvagem que abre caminhos na ravina. A linguagem é imperfeita, a palavra, desastrada. Sai da boca, ela esvoaça, vai cavalgando, cavalgando por uma hora, cavalgando e descansando. E continua cavalgando, Jim.



                   Tudo o que é humano

                                    abandona

                                               o seu rosto



            Em breve ela desaparecerá

                                    no calmo

                                    pântano

                                               vegetal



            Fica!



            Meu Amor Selvagem!



Às vezes, Jim, acho que te nubla a vista uma saudade oculta. Agora sei de cor o teu problema: um falso amor, vida perdida. Tão triste acenas. Eu não consigo devolver-te a juventude, Jim. Não há quem cure a tua dor. Vida perdida, um falso amor.

                                                                                             (continua)

terça-feira, 17 de maio de 2016

À maneira das suecas


A porta da residencial estava fechada. Toquei à campainha e esperámos cerca de dois minutos do lado de fora antes de aparecer Daniel, a esfregar os olhos e a bocejar, com ar de quem estava profundamente a dormir. Ao abrir passagem não escondeu a sua surpresa por me ver chegar na companhia das suecas. Esbocei apenas um ligeiro sorriso e um discreto sinal para que não fizesse perguntas ou comentários.

         - Desculpa se interrompemos os teus sonhos – atirei com sorriso trocista enquanto as suecas se dirigiram rapidamente para o elevador.

         - Mas como é que tu?… – perguntou ainda estremunhado e a enrolar as palavras.

         - Amanhã conto-te – respondi enquanto me escapuli para conseguir entrar no elevador antes da porta se fechar.

         A subida ao primeiro piso foi demasiado rápida mas ainda assim o estreito elevador permitiu que tivesse ficado com uma erecção quando involuntariamente rocei na anca de Anni, que de certeza terá sentido o crescimento imediato do meu pénis.

- E então, a festa vai continuar no meu quarto ou no vosso? – perguntei enquanto percorremos o corredor.

         - No nosso – respondeu de imediato Agnetha. – Queremos vestir algo mais sexy.

         - Mais ainda?… - perguntei a sorrir. - Tudo bem, vou num instante ao meu quarto e volto já, pode ser?

         - Claro, a porta fica apenas no trinco – disse Agnetha antes de desaparecer para o interior daquele compartimento que ficava mesmo em frente do meu.

Que loucura(!), foi o pensamento que me ocorreu mal entrei no quarto, ao mesmo tempo que, de uma assentada, atirei com as calças, camisa e boxers para cima da cama e entrei na casa-de-banho. Estava ansioso só de imaginar no que estava ainda para acontecer dali em diante. De um momento para o outro já estava a sair do duche com uma toalha enrolada à cintura e a pensar se valeria a pena voltar a vestir alguma roupa. Resolvi ir assim mesmo. Abri a porta que dava para o corredor em absoluto silêncio e fechei-a atrás de mim bastante devagar. A um metro de distância, do interior do quarto das suecas não saía qualquer ruído. Entrei sem qualquer hesitação e deparei com Anni a preparar as coisas para ir tomar um banho.

Ela olhou-me e sorriu.

         - Fica à vontade – disse-me enquanto atravessou nua mesmo à minha frente.

         Já que tinha ali chegado não me fiz rogado e obedeci dirigindo-me para a cama daquela única assoalhada. Ajustei a almofada à altura da minha cabeça e recostei-me nela unicamente com a toalha enrolada na cintura. A visão que naquele momento conseguia ter de Anni confirmava todas as expectativas. De facto, ela era mesmo bonita e naquele momento em que a observava fiquei com a certeza que a própria também sabia disso. Tinha uns seios bem empinados e um cu delicioso que descaradamente resolvi apreciar no momento em que ela se retirou para o interior da casa-de-banho e que acabou por provocar uma subida ligeira do meu pénis.

O facto de ter ficado sozinho naquele quarto por instantes fez com que recuperasse momentaneamente a lucidez, mas logo surgiu Agnetha, enrolada também ela unicamente numa toalha, que me sorriu e perguntou se estava confortável. Respondi desajeitadamente que era difícil estar calmo mas que me sentia nas nuvens.

Agnetha voltou a sorrir.

         - Deixa-te estar, vamos ter uma noite inesquecível.

         A sueca virou-me as costas e acabou por parar frente a um grande espelho que o quarto tinha mesmo ao fundo da cama, desenrolou a toalha do corpo e com ela começou a esfregar o cabelo. Agnetha não perdia em nada para a amiga. Tinha coxas grossas e bem torneadas, os seios maiores que os de Anni e um traseiro igualmente maravilhoso. Através do espelho, ela ia vendo que eu estava atento a todos os seus movimentos mas não se virou nem proferiu qualquer palavra durante um tempo. Depois de passar a toalha pelo cabelo pegou numa escova, penteou-se e a seguir parou para observar o seu próprio corpo, primeiro de um lado, depois do outro, como se todos aqueles movimentos tivessem sido ensaiados. Eu permanecia, naquele momento, extremamente calmo, apenas a admirar o corpo daquela mulher e a saborear o que ia vendo, até que, inesperadamente, com a ajuda de um qualquer creme, presumo que hidratante, começou a massajar com grande sensualidade os seios. Depois, levou apenas uma das mãos a deslizar na direcção do ventre e vagarosamente foi descendo até parar no seu sexo, fechou os olhos, atirou ligeiramente com a cabeça para trás e ficou, durante alguns segundos, a masturbar-se. Como se de um ritual se tratasse, por vezes abria os olhos, olhava-se ao espelho, gozava-se a si própria e ia soltando sumidos gemidos.

Estava maravilhado a ter o meu maior momento de excitação quando, momentaneamente, Agnetha se apercebeu da reentrada de Anni no quarto e parou de se tocar. Trocaram, entre si, por entre sorrisos, algumas palavras que não consegui entender antes de ver Agnetha deitar-se na cama, junto aos meus pés, e Anni, completamente nua, começar a massajar-lhe as costas. Algum tempo depois, Anni começou a usar não só as mãos mas também o seu sexo directamente nas costas e nas nádegas da amiga. Passados uns instantes decidiram inverter as posições, mas então a massagem durou pouco tempo. Agnetha já estava muito excitada e sem se conter começou a percorrer as costas da outra com a língua. Anni dificilmente podia esconder a satisfação que sentia e, após ser lambida desde o pescoço até às nádegas, colocou-se na posição de quatro deixando espaço para que Agnetha metesse a cabeça entre as suas pernas e lhe mordiscasse o sexo. Naquele momento não me contive mais, abri a toalha que me cobria o pénis e comecei a tocar vagarosamente nele com a mão. Anni reparou, sorriu, e deslizou na cama ao meu encontro acabando por invadir por completo a minha boca com a sua língua. Achei que ia enlouquecer e receei não conseguir aguentar por muito mais tempo o orgasmo quando senti Agnetha abocanhar o meu pénis. Livrei-me por segundos da língua frenética de Anni e inspirei profundamente de olhos cerrados experimentando uma sensação louca de prazer como nunca tinha sentido antes, pelo menos que me lembrasse.

                                                                    (continua)

segunda-feira, 16 de maio de 2016

fx. 7 – spanish caravan


O sol está prestes a nascer em terras castelhanas. As nuvens grossas lá do fundo, na linha mais parada da paisagem, confundem-se com os montes que as apoiam. Não consigo ver com nitidez a face de Jim por se encontrar ainda tudo meio na penumbra. Será isto que agora toma o nosso corpo, esta espécie de sentimento quente que nos embrulha em vontade de calcorrear estrada e comer pó, um contratempo genético, uma renúncia emancipada ao conforto sedentário de ter um tecto ou a herança nómada a querer tomar-me sorrateiramente? Não sei. Tenho, porém, algumas saudades de casa. E tenho de imaginar a expressão de Jim, porque mal o descortino desde que subimos naquela caravana que nos leva.



         A hora do lobo

            chegou ao fim. Cantam

            os galos. O mundo ergue-se

            de novo, agitando-se na

            escuridão.



Deixámos para trás Portugal e seguimos pela Andaluzia com os seus campos cobertos de verde. Dormimos meia-hora, se tanto. Sabemos o tesouro que espera por nós e não o queremos perder.



         Momento de Liberdade

            quando o prisioneiro

            pestaneja ao sol

            como uma toupeira

            a sair do seu buraco



os mais preguiçosos diriam que é uma dádiva transcendente, isto do nascer do sol, o problema está em ser em horas indecentes, desapropriadas ao burocrático descanso necessário a cada indivíduo, sem excepções. – Eles que se fodam - responde Jim aos meus pensamentos patéticos em voz alta. Na verdade, não há melhor espectáculo que ver subir, lentamente, em diferentes reflexos, nas montanhas de Espanha, aquela estrela teimosa e quente, que alumiou Cristo e Galileu e Pessoa e que agora nos alumia a nós. É um privilégio. Jim entende-o da mesma maneira.



         Temos de tentar encontrar uma nova

                                               resposta em vez de

                                                           um caminho



a poeira das estrelas está a assentar. Tudo em tons de prata e ouro. A linha do horizonte clareia-se sem pressa. Já nos vemos outra vez no interior da caravana enquanto o nevoeiro parece algodão disfarçando o frio que faz. Tantos anos, tantos séculos a investir e a gastar dinheiro e forças na construção de edifícios, na compra de camas e sofás e máquinas e sanitas, todos anos a dizer que estamos aborrecidos – que hipocrisia ultrajante, quando há mais metros quadrados para ver, tocar, cheirar, pisar, do que minutos que nos falta viver.



         - Porque nos chamas?

            Sabes o nosso preço. É

            sempre o mesmo. A tua morte

            dar-te-á vida

            & libertar-te-á de um destino

            vil. Mas está a ficar tarde.



Seguimos em paz, em nome d’El-Rei, desbravar montanhas húmidas, ouvir os ventos, falar-lhes, mirar as estrelas e conquistar o que não sabemos, mas conquistar. Já não é noite, mas ainda não é manhã. O sol de Espanha é surpreendentemente igual a outros que já vimos. Que desilusão. Vemos lebres a saltar, também, lá ao fundo, por já começar a terra a aquecer.

                                                                                                  (continua)

Agnetha e Anni


Passou uma hora desde que me sentei naquela mesa da Bonnie & Clyde com as suecas. Muita conversa, muitos risos, algumas trocas de olhares mais maliciosos a uma e a outra sem no entanto ser descarado e nem demos conta que a discoteca foi aos poucos esvaziando. A música já tinha mudado radicalmente. Eram três e meia da manhã e à nossa volta restavam apenas meia dúzia de casais que iam abanando a cabeça ao som de Bryan Adams, Springsteen, U2 e coisas do género, naquela que era, definitivamente, a hora das recordações mais eléctricas da década de oitenta. Outros solitários resistiam junto às extremidades da pista de dança com garrafas de cerveja na mão esquerda ao mesmo tempo que simulavam tocar guitarra com a direita roçando-a junto aos bolsos das calças.

Durante aquele tempo fiquei a saber que eram divorciadas, amigas, colegas de trabalho há bastante tempo e passavam férias sempre juntas desde que se tinham separado dos respectivos maridos. As vidas de Agnetha e Anni eram muito similares. Nascidas em Estocolmo, aquela era a segunda vez que estavam em São Martinho do Porto. Gostaram tanto que resolveram voltar. Coisa rara, como me contaram, já que todos os anos, durante as férias, optavam por conhecer um novo país, uma nova cidade, outra cultura. Agnetha tinha quarenta e três anos e um filho com vinte que estava algures de férias com o pai. Anni, dois anos mais nova, tinha duas filhas que fora dos tempos de escola preferiam andar de comboio e de cidade em cidade com os amigos. Naquela altura estariam acampadas algures no interior de Itália. Pelo meio do que se foi dizendo naquela mesa e à medida que a cumplicidade entre os três ia aumentando atrevi-me a questioná-las sobre o modo como encaravam o amor, o sexo e a importância que davam aos relacionamentos passageiros que já tinham vivido durante aquelas viagens de férias que faziam juntas. Sempre disponíveis a responder a tudo e sem rodeios, foram ao longo da conversa dizendo que viviam todos os momentos da vida da forma que lhes convinha e como lhes apetecia em cada circunstância.

A certa altura, talvez acelerado pelo uísque que já tinha bebido, senti-me cheio de confiança para atirar a pergunta para cima da mesa sem medo que ela pudesse transbordar e se estatelasse no chão que pisávamos:

- Passarmos esta noite na mesma cama, a conversar, claro, está fora de questão?

Olharam na direcção uma da outra e deram uma risada antes de Agnetha aproveitar para roçar a mão na minha perna enquanto soltava duas palavras no mínimo prometedoras.

- Quem sabe?

Finalmente, coincidindo com a entrada barulhenta de um disco de Joe Satriani que nos impedia de continuar a conversar como até ali, resolvi perguntar se ainda queriam ficar mais tempo ou se achavam que estava na hora de ir embora. De imediato ambas se levantaram.

Já no exterior da discoteca e enquanto parei por breves segundos para acender um cigarro, elas afastaram-se ligeiramente e reparei que cochichavam algo que não consegui entender. Por fim, soltaram gargalhadas, estridentes, quase acordando as pedras da calçada.

- Posso saber qual é a piada? – perguntei, curioso.

- Queres mesmo? – disparou Agnetha ainda perdida de riso.

- Claro.

- Anni estava a dizer que os teus olhos são capazes de provocar orgasmos. Eu perguntei-lhe se ela se importava de ficar com os olhos – continuou Agnetha sem conter outro par de risadas que ecoaram por aquelas ruas desertas de São Martinho do Porto.

                                                                                                           (continua)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

fx. 6 – the unknown soldier


Há uma raiva tão grande que Jim e eu voltamos sentir. Estaremos loucos? Que fizeram de nós? É angustiante o sentimento que nos une. Sabemos da nossa culpa embora gostássemos de ser inocentes. No fundo aquele triste e duro momento também é nosso. E não há nada a fazer para evitar o odioso cenário. É só esperar agora. Esperar até a guerra terminar. Estaremos ambos um pouco mais velhos quando isso acontecer, é seguro e sabemos.



         Shhhhhhhhhhhhhhh

            o ténue sussurro das ervas

            a voz vem de longe

            lá dentro, esperando o seu nascimento

            numa sala fria, num osso de gavinha

            O frenético cacarejo comunicativo e aberto

            das crianças numa sala de baile, da

            família de amigos à volta de

            uma mesa de banquete, cheia de comida

            riso de mulher suave e culpado

            o bar, a sala dos homens

            as pessoas reúnem-se para formar os seus

            exércitos & encontrar os seus inimigos

            & lutar



serão eles, qualquer um deles, o soldado desconhecido. Os que emprenham pelos ouvidos dando razão ao que ouvem, deixando que seja verdade unicamente aquilo que escutam. O treino acontece onde as notícias das desgraças são lidas. A televisão alimenta os putos. Ninguém quer saber de mais nada. É assim e assim será para sempre. A verdade está ali e apenas lá, nem vale a pena pensar que se pode alterar o guião. Esta é estranhamente uma sociedade de mortos-vivos, de gente que vive sem sequer ter nascido, até ao momento em que a bala atinge uma qualquer cabeça mesmo sob o capacete não deixando qualquer hipótese de voltar atrás e desfazer o que nunca foi feito de verdade.



         A busca Interminável um vigília

            de torres de vigia e fortalezas

            contra o mar e o tempo.

            Ganharam? Talvez.

            Ainda lá estão e no

            silêncio das salas ainda deambulam

            as almas dos mortos,

            que mantêm a sua vigilância sobre os vivos.

            Cedo nos juntaremos a eles.

            Cedo caminharemos

            nas paredes do tempo. Nada

            nos fará falta

            excepto uns aos outros.



- Mas quem somos nós? -  pergunto a Jim na expectativa de uma resposta mais directa, ao que ele responde a gritar:



         Os que Correm para a Morte

            Os que esperam

            Os que se preocupam



pois está tudo acabado, é a conclusão que tiro, para eles, para nós, que somos o soldado desconhecido, mas que ainda não sabemos.



         Saúdem a Noite Americana



            Eu conto-te

            O lenço de seda foi

            bordado na China ou no Japão

            atrás da cortina de ferro. E

            ninguém pode atravessar a fronteira

            sem credenciais apropriadas.

            Isto para dizer que somos todos

            sensatos, ficamos ocasionalmente tristes

            & que se todos os sócios no crime

            incorporassem nos seus

            programas promessas o baile

            poderia acabar & a seguir

            todos os nossos amigos.



            Quem são os nossos amigos?



            São tímidos & tristonhos? Têm

            grandes desejos?     Ou

            pertencem à multidão que

            caminha na dúvida do seus impossível

            arrependimento?    As coisas acontecem de facto

            & ocorrem de novo em contínua esperança;

            Todos nós encontrámos um nicho

            seguro onde podemos acumular

            riqueza & falar com os nossos colegas

            na mesma premissa do desastre.



            Mas isto não vai resultar. Não, isto

            Nunca resultará.



Abra-se uma cova para o soldado desconhecido. Para ti, Jim, e para mim. Amanhã pela manhã bem cedo sairemos nas notícias e alimentaremos os putos, seremos o seu café da manhã. A televisão alimenta os putos naquele momento em que alguém diz que uma bala nos atingiu na cabeça mesmo sob o capacete. E nesse instante severo mas de alívio a guerra acabou, Jim, a guerra acabou, acabou.

                                                                          (continua)