terça-feira, 10 de maio de 2016

O tipo estranho que vê corridas de cavalos


Estava enrolado nos meus pensamentos quando mais uma vez levei o copo à boca e reparei que já tinha despejado uma boa parte da garrafa de uísque que o António me pôs à frente. Olhei para o relógio e o ligeiro movimento que tive que fazer com a cabeça fez-me pensar seriamente em não beber mais nada.

Na ponta do balcão ainda lá estava aquele tipo, de costas para mim, com o olhar fixo nas corridas de cavalos. Na mesma posição e absolutamente inerte. Nem sequer lhe consegui ainda ver a cara.

Levantei-me e ia chamar o António para me despedir quando ao dar um passo para trás perdi o norte e só parei quando bati com as costas na parede daquele estreito corredor.

- O mar está bravo - disse eu a rir enquanto me endireitava esperando ao mesmo tempo provocar alguma reacção naquela figura sinistra que estava ali sentada. Tão perto e tão longe. Mas nada. De António também não havia sinal, talvez tivesse adormecido. Encaminhei-me para a porta. Estava na hora do recolher. Sentia-me mais que pronto para dormir umas boas doze horas.

No exterior, a noite estava bem mais fresca do que quando cheguei. E o nevoeiro tinha-se intensificado, o que para mim era óptimo pois precisava de conduzir de olhos bem abertos. Aquela cacimba que caía até ajudava a alertar os meus sentidos. Entrei no carro e logo tratei de abrir o vidro para continuar a sentir o frio. Mal meti a chave na ignição comecei a escutar o final de “Wintertime Love”, aumentei o volume e cantei a plenos pulmões numa tentativa desesperada de espantar o álcool estacionado no sangue:

- Come with me dance, my dear/Winter’s so cold this year/You are so warm/My wintertime love to be.

No final do último verso apanhei tamanho susto que me deixou sem voz. Foi no momento em que me apercebi de um vulto junto à entrada do bar. Estava bastante escuro até porque a luz exterior que ficava por cima da porta já estava apagada e o nevoeiro também não ajudava muito. Ainda pensei que poderia ser o António, por isso esperei alguns instantes que me dissesse alguma coisa ou fizesse um simples sinal, mas como não ouvi nem vi nada que se pudesse confundir com uma despedida, acabei por me fazer à estrada. Arranquei devagar ao mesmo tempo que com um golpe de rins procurei perceber quem estava ali junto à ombreira da porta mas acabou por ser um movimento em vão, não consegui perceber. Que estranho. Seria o tal tipo que estava lá dentro a ver corridas de cavalos, estaria a música que eu estava a ouvir no carro muito alta para a hora ou será que tinha desafinado como gente grande? Fosse quem fosse, uma coisa era certa, de repente o efeito do uísque tinha desaparecido. A partir daquela altura deixei de sentir tudo menos um tremendo calafrio que teimava em percorrer-me o corpo de alto a baixo.

                                                                                                        (continua)

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