Estava enrolado nos meus
pensamentos quando mais uma vez levei o copo à boca e reparei que já tinha
despejado uma boa parte da garrafa de uísque que o António me pôs à frente.
Olhei para o relógio e o ligeiro movimento que tive que fazer com a cabeça
fez-me pensar seriamente em não beber mais nada.
Na ponta do balcão ainda
lá estava aquele tipo, de costas para mim, com o olhar fixo nas corridas de
cavalos. Na mesma posição e absolutamente inerte. Nem sequer lhe consegui ainda
ver a cara.
Levantei-me e ia chamar o
António para me despedir quando ao dar um passo para trás perdi o norte e só
parei quando bati com as costas na parede daquele estreito corredor.
- O mar está bravo - disse
eu a rir enquanto me endireitava esperando ao mesmo tempo provocar alguma
reacção naquela figura sinistra que estava ali sentada. Tão perto e tão longe.
Mas nada. De António também não havia sinal, talvez tivesse adormecido.
Encaminhei-me para a porta. Estava na hora do recolher. Sentia-me mais que
pronto para dormir umas boas doze horas.
No exterior, a noite
estava bem mais fresca do que quando cheguei. E o nevoeiro tinha-se intensificado,
o que para mim era óptimo pois precisava de conduzir de olhos bem abertos.
Aquela cacimba que caía até ajudava a alertar os meus sentidos. Entrei no carro
e logo tratei de abrir o vidro para continuar a sentir o frio. Mal meti a chave
na ignição comecei a escutar o final de “Wintertime
Love”, aumentei o volume e cantei a plenos pulmões numa tentativa
desesperada de espantar o álcool estacionado no sangue:
- Come with me dance, my dear/Winter’s so cold this year/You are so
warm/My wintertime love to be.
No final do último verso
apanhei tamanho susto que me deixou sem voz. Foi no momento em que me apercebi
de um vulto junto à entrada do bar. Estava bastante escuro até porque a luz
exterior que ficava por cima da porta já estava apagada e o nevoeiro também não
ajudava muito. Ainda pensei que poderia ser o António, por isso esperei alguns
instantes que me dissesse alguma coisa ou fizesse um simples sinal, mas como
não ouvi nem vi nada que se pudesse confundir com uma despedida, acabei por me
fazer à estrada. Arranquei devagar ao mesmo tempo que com um golpe de rins
procurei perceber quem estava ali junto à ombreira da porta mas acabou por ser
um movimento em vão, não consegui perceber. Que estranho. Seria o tal tipo que
estava lá dentro a ver corridas de cavalos, estaria a música que eu estava a
ouvir no carro muito alta para a hora ou será que tinha desafinado como gente
grande? Fosse quem fosse, uma coisa era certa, de repente o efeito do uísque
tinha desaparecido. A partir daquela altura deixei de sentir tudo menos um
tremendo calafrio que teimava em percorrer-me o corpo de alto a baixo.
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