quinta-feira, 12 de maio de 2016

Bonnie & Clyde


Lentamente, devido ao intenso nevoeiro que não me permitia ver um palmo à frente do carro, regressei ao centro da vila e, por mero acaso, estacionei exactamente no mesmo sítio de onde o tinha tirado antes de me dirigir ao bar do António.

Saí, acendi um cigarro, inspirei profundamente e resolvi deitar uma olhadela à baía. Não havia ninguém à vista pelo menos por perto. Junto ao paredão subi o pequeno muro que separa o passeio da areia da praia e fui por ali andando como costumava ver os miúdos a fazer. Apesar do fresco da noite é muito agradável olhar para aquelas águas serenas iluminadas pelas poucas traineiras onde alguns pescadores preparam as redes antes de se fazerem ao mar mais traiçoeiro para lá da barra.

A caminho da residencial cruzei-me com a única discoteca que conhecia em São Martinho do Porto, aliás, a residencial onde eu estava hospedado e a discoteca ficavam praticamente lado a lado. Olhei para o relógio e vi que ainda era cedo. A hora caminhava para as duas. Passou-me pela cabeça que a noite lisboeta estaria apenas agora em hora de ponta. Mas por estas bandas, muito pelo contrário, já não se via ninguém e muito provavelmente, lá dentro, a discoteca também estaria às moscas mas como não me sentia suficientemente cansado resolvi passar por lá - um último copo para dormir melhor, pensei. A discoteca ficava nas traseiras de uma velha padaria e para se chegar à entrada tinha que se percorrer um género de corredor a céu aberto com cerca de cinquenta metros. Encontrei a porta fechada, mas a música ouvia-se do lado de fora, toquei à campainha e de imediato uma pequena portinhola rectangular situada à altura da minha cabeça foi aberta por um tipo de pele negra que rapidamente me convidou a entrar. Num pequeno hall passou-me para a mão um cartão para que nele fosse assinalado o consumo que ia fazendo de cada vez que fosse ao bar.

- Como é que está isto? – perguntei à laia de cumprimento.

- Nada mau para um dia de semana, mas o melhor, claro, é amanhã e sábado, quem não vier antes da meia-noite tem dificuldades para entrar.

- Pois – respondi-lhe a sorrir – e mesmo assim há consumo mínimo?

- Hoje não, são dois contos mas só ao fim-de-semana.

- Ok.

Ainda antes de me dirigir à zona menos iluminada onde só eram reflectidas as luzes dos projectores coloridos da discoteca resolvi fazer uma paragem na casa de banho para onde me encaminhei através de uma porta de acesso à zona dos lavatórios e dos espelhos que eram comuns a homens e mulheres antes de se chegar à separação dos sanitários. Entrei naquele que tinha a cara do gajo (do filme de Arthur Penn, Bonnie and Clyde) na porta e mijei. Ajeitei a camisa, as calças e com os dedos dei um leve toque no cabelo. Quando segui na direcção de um dos lavatórios para passar as mãos por água dei de caras com uma das suecas que supostamente daí a pouco tempo iria dormir no quarto mesmo defronte do meu. Isto afinal não está nada mau, pensei para com os meus botões quando aquela loura esboçou um imenso sorriso acompanhado por um simpático e agora perceptível “hello”. Demorei a lavar as mãos, mais tempo que o necessário, enquanto ia observando a sueca através do espelho. Tinha uma cara bonita bem realçada pelo tom bronzeado que dava um brilho maior àqueles olhos cor-de-água. Trajava um leve e justo vestido branco que para baixo lhe ficava pelo meio de umas coxas bem delineadas e para cima não conseguia esconder um belo par de mamas e a ausência de soutien.

Segui os seus passos poucos segundos depois a caminho do interior da discoteca e notei que o ritmo musical tinha mudado radicalmente. O som naquele momento era bem mais suave. Um velhinho êxito dos Bee Gees ecoava alto e estava, certamente, a fazer as delícias dos mais nostálgicos. Dirigi-me para o bar e reparei que, apesar de não estar cheia, a discoteca apresentava uma moldura humana que de certa forma até me surpreendeu. Ainda assim foi com facilidade que cheguei perto do barman, um tipo com ar simpático e bem disposto, que dava a impressão de estar ligado à corrente, tal a desenvoltura com que lidava com os copos e as garrafas. Pedi-lhe um Jameson.

- Quantas pedras? – perguntou-me com o balde de gelo na mão e pronto a largar quase automaticamente quatro ou cinco pedras para dentro do copo.

- Sem gelo! – gritei para que ele ouvisse bem.

Meti o copo à boca, dei um valente gole naquele uísque e preparava-me para acender um cigarro quando senti alguém atrás de mim. Ia desviar-me para dar o meu lugar a quem pretendia chegar ao balcão quando o barman se virou de novo para mim e perguntou-me pelo cartão.

- Qual cartão? – retorqui.

- Para marcar o uísque.

- Ah, claro.

Meti a mão no bolso da camisa e retirei dele o pequeno cartão que estava junto ao maço de cigarros entregando-o de seguida ao rapaz que escrevinhou qualquer coisa, creio que o preço do uísque. Voltei a guardá-lo no mesmo sítio e quando dei um passo atrás senti as minhas costas a esbarrar em algo mole. Virei-me e instintivamente pedi desculpa. Foi então que me apercebi que era a sueca, a tal das boas mamas que eu tinha admirado anteriormente na casa de banho.

- Peço desculpa se a magoei – disse-lhe no meu inglês de trazer por casa.

Ela sorriu e não disse rigorosamente nada.

Achei que talvez não me tivesse feito entender, mas não dei qualquer importância e deixei-a tomar o meu lugar junto ao balcão, afastando-me um pouco ao mesmo tempo que voltei a dar uma olhadela à parte de trás daquelas apetitosas coxas. Nessa altura reparei que a luz negra da discoteca tornava bastante visível a estreita linha do fio dental da sueca. Acenei com a cabeça e pisquei o olho a um tipo que estava por perto a reparar no mesmo que eu, mas rapidamente voltei à terra e de sorriso colado na face decidi deitar um olhar em redor pelo ambiente que por ali se vivia.

Quando o disc-jockey trocou “How deep is your love” por outro clássico interpretado por Barry White a pista de dança recebeu mais três ou quatro casais, na sua maioria jovens que não deviam ter mais de vinte anos. Recuei no tempo e recordei que com aquela idade era nestas alturas que eu aproveitava para meter conversa com elas. Entre o final de uma música e o princípio de outra quando a música ainda não está no auge. Como te chamas? Era o que eu costumava perguntar ao ouvido do meu par se não a conhecesse e se, por acaso, ela tivesse aceitado o convite para dançar slows através de um gesto simples que se fazia habitualmente de longe para não dar muito nas vistas caso o resultado fosse uma tampa. E se por acaso enquanto dançávamos ela respondesse a essa pergunta olhando-me nos olhos então a coisa era prometedora. De onde és? Que idade tens? era o rol mecânico de perguntas que se seguiam até ao culminar da situação que começava a ganhar forma com um ensaiado cruzar de mãos atrás das costas, apertando e unindo ainda mais os dois corpos que se iam arrastando em curtos passos num pequeno metro quadrado da pista de dança. E depois esperar, manter a calma, apesar das batidas cardíacas que me podiam desmascarar rapidamente, até ao mais leve movimento, nem que fosse um quase imperceptível dedo a escorregar meio milímetro na camisola ou um minúsculo roçar de cabeças e o resultado era a oferta do melhor beijo que eu tinha guardado fossem muitos ou poucos os que se seguissem.

Lá ao fundo, quase escondidas na discoteca, sentadas numa mesa, exactamente no local oposto ao sítio onde me encontrava, acabei por detectar as suecas, sozinhas. Dei por elas no preciso momento em que uma apontava para mim, acabando ambas por se desmancharem a rir quando se aperceberam que tinham sido apanhadas pelo meu olhar. A tal do vestido branco ainda tentou disfarçar olhando para o chão mas a amiga não fez sequer um esforço optando por me confrontar de sorriso bem estampado no rosto. E eu que não tinha nada a perder deixei cair a ponta do cigarro no chão, pisei-a, e de copo de uísque na mão direita avancei na direcção daquela mesa, atravessando pelo meio a pista de dança e os pares que estavam naquele momento a dançar lentamente ao som do “Blue Eyes” do Elton John.

Ao chegar perto, debrucei-me até a minha boca ficar à altura dos ouvidos delas e soltei em inglês com a melhor pronúncia que consegui:


- Querem beber alguma coisa?

- Não, obrigado – respondeu de imediato aquela que se ria e me parecia ser mais descontraída. – Não, para já - acrescentou.

- Posso fazer-lhes companhia?

- Claro – voltou a responder enquanto me apontou um dos vários lugares vazios existentes na mesa.

Sentei-me ao lado de uma delas e numa posição frontal para a outra, tendo ficado praticamente de costas para a pista de dança. Apresentei-me e esperei para ouvir os seus nomes.

- Agnetha – disse a mais descontraída que se encontrava ao meu lado.

- Anni – respondeu com um sorriso mais tímido aquela em quem já tinha esbarrado naquela noite.

- É um prazer conhecer as duas mulheres mais bonitas desta noite de São Martinho do Porto– rematei.

Agnetha soltou uma gargalhada sonora.

- Vocês, portugueses, são os tipos mais amáveis que existem à face da terra.

- Mas é verdade o que eu disse. Ou acha que temos outras intenções?

- Tenho a certeza – acrescentou Agnetha – mas é isso que os torna charmosos, intensos e... interessantes.

Tal como Anni, Agnetha vestia uma roupa de cor clara também bastante justa ao corpo e que permitia tirar ilações imediatas quanto ao tamanho razoável do seu respeitável busto. Talvez o vestido não fosse tão curto como o de Anni, pelo menos não parecia. Assim sentadas, o que eu via era que o vestido de Agnetha terminava um palmo acima dos joelhos enquanto Anni, de frente para mim, não conseguia esconder a sua minúscula cueca.

                                                                (continua)

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