Não tocar a
terra, não olhar o sol, nada resta a fazer a não ser correr, correr, correr.
Vamos correr, vamos correr, como que gritávamos em uníssono sem das nossas
vozes se ouvir sequer um pequeno murmúrio. Apenas trocávamos pensamentos e
passávamos à acção. E corremos, corremos. E enquanto corríamos desenfreadamente
iniciámos a Criação a partir do Nada que ainda faltava criar. Uma casa na
colina, a lua que brilha, as sombras das árvores testemunhando a brisa
selvagem. – Vamos, corre comigo, vamos
correr – gritámos porém daquela vez bem alto e continuámos a correr mais incentivados
ainda pela resposta oferecida pelo eco das nossas vozes: corre comigo, corre
comigo, corre comigo, vamos correr.
Ninguém concebeu a existência;
aquele que pensa que o fez
Que avance
por isso é
impossível que nos cansemos e só por isso nada nos impediria de continuar, mas
Jim e eu resolvemos parar de repente no topo da colina para admirar aquela
mansão que agora constatamos ser confortável, mas não é um conforto apenas
aceitável daqueles em que se usa a expressão por uma questão de simpatia, não,
naquela mansão os quartos e os confortos são ricos, os braços da cadeira
luxuosa são vermelhos, mas ninguém vai saber disso ao olhar apenas do lado de
fora. Estamos a assinar a nossa Criação, assim tudo o que nós queremos é
permitido, assim no livro da vida escrevemos o que nos apetece, serão as
memórias que queremos lembrar. Descemos a colina a bom ritmo e deparamos com o
cadáver do presidente no carro que é conduzido pelo motorista. Afinal, tanto
conforto e ele jaz morto e deixa o mundo num estado pegajoso como um motor que
vai rolando numa pestilenta mistura de cola e alcatrão. Mas nós não desarmamos
e vamos andando, não vamos muito longe é certo, vamos apenas até ali para
Oriente. Depois de o presidente ter sido assassinado, estamos preparados para conhecer
o Czar. Neste novo tempo que nos deram, nesta nova vida que agora reinventamos
sabemos que alguns bandidos vivem à beira do lago e que a filha do ministro
está apaixonada pela cobra que vive num poço à beira da estrada. Apetece-me
gritar – acorda, miúda, estamos a chegar
a casa – e Jim incentiva – vamos!
– mas eu teimo que deveríamos ver os portões de manhã, que naquele momento
deveríamos estar dentro da noite,
«Alguma vez viste Deus?»
- uma mandala. Um anjo
simétrico.
Sentiste? sim. Fodendo. O Sol.
Ouviste? Música. Vozes.
Tocaste? um animal. a tua mão.
Saboreaste? Carne rara, cereais,
água
& vinho.
Porque o
sol (queima), sol (queima), sol (queima), em breve (lua),
em breve (lua), em breve (lua) – eu vou apanhar-te – gritou Jim e eu provoquei – em breve! – e o eco fez-se ouvir de
novo: em breve! em breve!... Jim teve então a primeira atitude na nova vida que
me surpreendeu – eu sou o Rei Lagarto, eu
posso fazer qualquer coisa – vociferou com raiva pouco contida. Vi-o cerrar
os olhos como se estivesse a concentrar-se em algo que estivesse para
acontecer, ordenou que cerrasse os meus, que o imitasse e que assim o ajudasse
a tornar real o que desejava naquele instante. Foi então que senti a mente
penetrar num espaço que nunca antes tinha imaginado com leões a passear pelas
ruas, cães com o cio a caminhar sem destino, outros raivosos e com grandes
bocas cheias de baba. E vi Jim como uma fera aprisionada no coração daquela
cidade imaginária. Tinha a certeza que se abrisse os olhos tudo aquilo terminaria
e voltaríamos à nossa vida, ou ao que para ali nos tinha transportado, senti
que se estivesse a sofrer poderia fazê-lo a qualquer momento mas preferi
permanecer para tentar perceber o que Jim me queria mostrar ou dar a conhecer.
Apontou-me a sua mãe, cujo corpo estava ali a apodrecer naquele chão que fervia
debaixo de um sol escaldante virando de seguida as costas e deixando a cidade,
desceu para sul e atravessou a fronteira deixando aquele caos e toda a desordem
para trás dos ombros. Alucinante a velocidade com que tudo estava a decorrer
naquele encontro numa qualquer outra dimensão por esforço de Jim à qual eu
estava a dar a cobertura que ele me tinha solicitado e que me transportou no
momento seguinte para um despertar num hotel verde com uma criatura estranha a
rosnar ao seu lado e com o suor a cobrir toda a sua pele brilhante. – Estão todos aqui? – ouço o grito vindo
sabe-se lá de onde, e outra vez a mesma voz: - a cerimónia está prestes a começar! A seguir um silêncio
ensurdecedor rodeou o instante. A estranha criatura fazendo valer tudo o que eu
já não conseguia imaginar gritou de tal modo que me congelou, a mim e a Jim que
também não esperava ser surpreendido por coisa semelhante: - ACORDA! - fê-lo quase ao ouvido de Jim – tu não consegues lembrar-te onde terminou o sonho? – A serpente
era de um dourado muito claro, muito brilhante e enroscada. Nós tínhamos medo
de tocá-la e aqueles lençóis onde Jim tinha acabado de despertar eram como se
de repente se tivessem transformado em grades de prisões quentes como a morte.
E ela estava ao seu lado, não era velha, mas seria jovem(?), tinha cabelo vermelho escuro, a pele branca e macia. Jim
resolve finalmente tomar uma atitude e inicia uma corrida desenfreada a caminho
do espelho da casa de banho. – Olha! –
digo-lhe – ela está a vir para aqui.
– Jim olha-me de frente, sinto os seus olhos a perfurarem os meus sem pedir
licença e como que anuncia - eu não posso
viver em cada século lento dos seus movimentos, mas gosto de, como ela,
encostar o meu rosto no cimento gelado do chão e sentir como é bom o sangue
frio de uma picada e o brando assobio das serpentes na chuva. Sabes –
continua – uma vez participei num pequeno
jogo e senti um enorme gozo por gostar de rastejar de volta à minha mente. Acho
que sabes de que jogo falo, estou a falar do jogo que se chama “fica louco”.
Devias experimentar esse pequeno jogo. É só fechar os olhos e esqueceres o teu
nome, esqueceres o mundo, as pessoas e então verás que ergueremos uma torre
diferente. Esse pequeno jogo é divertido. É só fechar os olhos, não há como
perder. Sentes-te bem, ficas bem, livramo-nos do controle e vamos mais além.
Regressamos às profundezas da mente, regressamos para lá da dor, estaremos de
volta ao tempo em que ainda não havia chuva, porque agora nestes tempos a chuva
cai com a menor dificuldade sobre a cidade e sobre as cabeças de todos nós e no
labirinto das correntes. Lá no fundo, vemos a calma e sobrenatural presença dos
nervosos habitantes da colina nos nobres montes das redondezas e vemos répteis
em abundância, fósseis, cavernas, o ar fresco das montanhas. E repara, todas as
casas seguem o mesmo modelo, as janelas cerradas, o carro feroz trancado até ao
amanhecer. Estão todos a dormir agora, os tapetes em silêncio, os espelhos
vazios, a poeira cega em cima da cama dos casais legitimados feridos nos
lençóis e as filhas eufóricas com olhos de esperma nos seus mamilos. Espera!...
– gritou inesperadamente como se tivesse visto algo que o assustou. – Houve uma carnificina aqui, não pares para
falar ou olhar em volta, as tuas luvas e o teu leque estão no chão, nós vamos
deixar a cidade agora e vamos a correr. Tu és a pessoa com quem eu quero ficar.
Ajudem-nos! Ajudem-nos!
Salvem-nos!
Salvem-nos!
Estamos a morrer, rapaz, faz alguma
coisa.
Tira-nos daqui!
Salva-nos!
Estou a morrer.
O que fizemos desta vez!
Fizemo-lo, rapaz, nós perpetrámos o
Ajudem-nos!
É o nosso fim, rapaz.
Adoro-te rapaz.
Adoro-te rapaz.
Adoro-te porque tu és tu.
Mas tens de nos ajudar.
O que fizemos rapaz?
O que fizemos desta vez?
Pobre
daquele que nunca sentiu uma ponta de saudade ou uma certa nostalgia. Na
verdade, mais não é do que alguém que nunca viveu a vida com intensidade e
prazer. Nós viemos de rios e estradas, florestas e cascatas, de Carson e Springfield, da cativante Phoenix.
– Alto! – ouvimos gritar bem atrás de
nós. Jim sabia bem quem era e nem precisou de virar sobre si o corpo para
começar a dizer: - Posso-lhes dizer os
nomes do Reino, posso-lhes dizer as coisas que vocês sabem escutando um punhado
de silêncio, escalando vales para chegar à sombra. - Novo grito, agora com
o sopro a roçar as nossas nucas: - Quem
és? – Jim permanecia imóvel, de olhos cerrados, de costas voltadas para
quem ali tão perto tentava perceber quem éramos e o que estávamos a fazer por
aquelas bandas. – Por sete anos eu vivi
nos livres palácios do exílio, participei em estranhos jogos com as meninas da
ilha, agora voltei à terra do belo e do forte e do sábio. – Findas as
palavras de Jim, virámo-nos e não deparámos com um gigante como provavelmente
seria o dono daquela grossa voz que pouco antes nos tinha gritado, mas com
dezenas de homens, mulheres e crianças que bruscamente recuaram dois ou três
passos e se ajoelharam perante a nossa presença.
As pessoas precisam de Fios
Escritores, heróis,
estrelas,
dirigentes
Para dar sentido à vida.
O barco de areia de uma criança
virado
para o sol.
Soldados de plástico na guerra suja
em miniatura.
Fortalezas.
Navios de Guerra de Garagem.
- Irmãos e irmãs na floresta pálida, filhos da noite,
quem de entre vocês aceita participar nesta caçada? – pergunta Jim numa voz
que ecoa a muitos milhares de quilómetros do local onde nos encontramos. – Agora a noite vem com a sua legião púrpura
– continua dizendo – recolham às vossas
tendas e aos vossos sonhos. Amanhã chegamos à minha cidade natal e eu quero
estar preparado,
Fico a pé toda a noite
a fumar e a conversar
Recordo os mortos & espero
a
manhã
Voltarão os nomes & os rostos
dos
que me eram chegados?
Terá a floresta de prata fim?
(continua)
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