sexta-feira, 6 de maio de 2016

Dos amores do ‘milongas’ às discussões com Anabela


Saí de Alpedrinha com vinte anos e apenas porque me meteram uma guia-de-marcha nas mãos, caso contrário, nesta altura, estaria a carimbar postais numa repartição do Fundão ou qualquer outra coisa que o valha. Valeu-me o facto da dona Arminda não me ter deixado abandonar a escola aos dezasseis anos, tal como eu desejei, altura em que pensava não ser preciso estudar mais e que o importante era começar a ganhar algum. Por sorte chegámos a um acordo: eu trabalharia de dia na rádio-pirata do ‘milongas’ mas durante a noite tinha que frequentar as aulas. Dona Arminda em grande, pois o décimo primeiro ano que completei acabou por ser útil mais tarde em Lisboa. E a rádio do ‘milongas’, afinal, não era mais que um motivo para engatarmos as miúdas das redondezas.

O ‘milongas’ era um verdadeiro príncipe entre as mulheres. Solteiras e casadas, novas e velhas, magras e gordas, bonitas e feias, todas marchavam. Costumava dizer para quem quisesse ouvir que “pelo menos, a primeira todas merecem”. E era ele que me arranjava as namoradas. Na verdade, ele concedia-me aquelas que descartava. Passados todos estes anos, de vez em quando, ainda dou comigo a pensar no que teria aquele tipo assim de tão extraordinário para que todas elas ficassem por ele embevecidas. Também é verdade que por vezes metia a “pata na poça”, como daquela vez em Castelo Novo quando foi apanhado pelo marido de uma quarentona dentro do roupeiro do quarto, todo nu. Mais tarde, quando recordava a situação, ria-se que nem um louco, mas na altura consta que se borrou todo. Teve que sair a correr porta fora tal como veio ao mundo e enfiar-se na mota a toda a brecha antes que o cornudo lhe estourasse os miolos. Acabou por se refugiar durante uns tempos em casa de uns amigos de Coimbra mas aos pais encarregou-me a mim de lhes transmitir que estava a fazer um curso promovido pelo Fundo Social Europeu no Porto. Nas noites que se seguiram à fuga cheguei a ver por várias vezes um tipo mal-encarado com uma caçadeira ao ombro e um cão pela trela a rondar a sua casa. O assunto morreu passado um tempo e a rádio também. Em Coimbra, o ‘milongas’ acabou por encontrar uma miúda que o virou do avesso. Ainda hoje devem estar casados. A última vez que fui a Alpedrinha encontrei o pai dele que, feliz da vida, me disse ser avô de quatro netos, todos rapazes, todos ‘milonguinhas’. Isso é que é trabalhar, pensei baixinho.

Quanto a mim, depois de cumprir o serviço militar, inscrevi-me num curso de jornalismo e a seguir passei a trabalhar como freelancer. Apresento umas quantas propostas de trabalho aqui e ali que são aceites, outras vezes sou eu que recebo algumas encomendas relacionadas com trabalho de investigação. Também sou correspondente de dois jornais ligados à comunidade portuguesa, um nos Estados Unidos, outro na Austrália e ainda sou cronista de uma rádio luso-canadiana. Trabalho não me falta, às vezes sinto é falta de tempo para me concentrar no que tenho para fazer. Por isso nunca me devia ter envolvido com Anabela. Estava longe de imaginar que uma mulher precisava assim tanto de me ter por perto. O primeiro grande desatino que tivemos, estava agora a fazer mais ou menos um ano, foi quando lhe disse que ia ausentar-me durante dois meses inteiros porque precisava de acompanhar o Mundial de futebol em França. Atirou-me à cara que eu era isto e aquilo, que ela ficava sempre para segundo plano, que os pais já achavam esquisito eu não ter um trabalho seguro, passar duas e três semanas seguidas sem sair de casa agarrado à internet e depois ausentar-me por tempo indeterminado, dias, por vezes semanas ou meses e sem sequer um telefonema. E foi assim que começaram os problemas entre nós. A partir dessa discussão, por mais que explicasse a Anabela o que fazia, como fazia e porque tinha de o fazer, a conversa acabava sempre por fugir na mesma direcção - os pais, que dizem, que acham, que pensam… Que merda! Comecei a ficar enjoado e a coisa acabou por dar para o torto. Por isso a minha saída repentina de Lisboa. Estava precisamente a avisá-la que muito provavelmente teria que ir passar uma temporada ao Brasil por causa de um trabalho bastante interessante e, sobretudo, muito bem pago sobre as paranóias dos brasileiros relacionadas com o fim do milénio. Mas Anabela meteu na cabeça que o que eu queria era estar longe dela para comer todas as brasileiras que me aparecessem à frente. Acabámos a discutir forte e feio. Pedi-lhe um tempo achando que o afastamento talvez fosse bom para a relação. Acalmou-se. Até que lhe disse que estava a pensar ir passar uns dias sozinho em São Martinho do Porto. Voltou a explodir. E saí.

                                                                                                             (continua)


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