- Em breve as nossas vozes
devem ser
uma, ou um de nós terá de partir.
Com altivez
aquela mulher como que nos encostava à parede (inexistente naquela rua por onde
passávamos naquele momento). – Vocês não
precisam de álcool, fumos, noites em branco, sexo… precisam antes de lucidez,
luz, Nomes, vida, amor.
Estou cansado de pensar.
- Quem te disse a ti o que precisamos ou não
precisamos?
– despachei eu apreensivo e também preocupado com a dúvida de Jim. Até àquela
noite nunca antes tínhamos sequer ficado um instante que fosse a reflectir
sobre como dar um sentido à vida. Que sentido? Só sabíamos que o que fazíamos,
aquilo que éramos, obedecia às regras que não tinham nunca sido criadas por
delas nunca sequer nos termos lembrado. A noite era o Sol da nossa vida. O sexo
o alimento que nos fazia sobreviver, suportar e aguentar pelo próximo Sol e os
Nomes a única droga que evitávamos sempre de forma espontânea, talvez porque
sabíamos desde sempre que o Sol nunca usa a mesma trajectória exacta dois dias
seguidos. Em tantos anos e tantas noites como aquela nunca nas outras tínhamos
perdido segundo e meio sequer a debruçarmo-nos sobre o modo de encarar a vida.
Muito menos imaginaríamos que pudesse ser aquela mulher, fruto do acaso como
tantas outras que já tinham passado por nós nas mesmas circunstâncias, que nos
iria alertar para essa situação. Jim e eu não temos idade. Nunca tivemos, nunca
teremos. Conhecemo-nos sem nos lembrarmos sequer desde quando e ficaremos
juntos até quando for. Eu sou Ele, Ele é Jim, os dois somos um e cada um de nós
tem a sua atitude, o seu modo de encarar as situações, contudo quase nunca
diferentes na forma de as olhar e abordar. Somos irmãos de sangue, gémeos
verdadeiros filhos de pais diferentes. Ele é ruivo, eu sou moreno, Ele é alto,
eu sou baixo. Ele é Jim, eu sou eu. Mas somos iguais.
E vim ter contigo
à procura de paz
E vim ter contigo
à procura de ouro
E vim ter contigo
à procura de mentiras
E deste-me febre
& sabedoria
& gritos
& dor
& estaremos aqui
no dia seguinte
no dia seguinte
&
Amanhã
sei bem o
que nos esperava. O mesmo de todos os dias. Ou de todas as noites, digamos
assim. Só aquela mulher não tinha entendido. Mas como poderia? Não nos conhece
de lado nenhum. Não sabe quem é Jim. Nunca me viu antes. Quem pensa ela que é? Para onde nos quer levar? Continuo apreensivo
naquele momento, mas curiosamente Jim não e isso ainda me deixa pior. Até ali
eu era aquele que mais rapidamente se deixava arrastar. Jim sempre fora o mais
firme. Sempre fora Ele que guiara e não o contrário. Quanto muito deixava-me
pegar no volante quando se sentia dominado por alguma das fraquezas naturais
que apoquentam o ser humano depois de muitos excessos e longas horas desafiando
a ordem natural das coisas. Não mais que isso. Daí aquele estranho momento que
se confunde com o sentimento. Tudo o que eu digo está certo. Tudo o que eu
penso é adequado. É como se Ele pela primeira vez não estivesse ali
verdadeiramente presente. E Jim não é tipo para adormecer primeiro que eu. Poderia estar enfeitiçado? Talvez aquela
mulher lhe tivesse rogado alguma praga ou lhe tenha dado alguma coisa para ingerir
que eu não reparei. Ou, quem sabe, Jim esteja simplesmente a fraquejar. Nem dei
conta do quanto andei até ao momento em que ela me desperta dos meus
pensamentos – é aqui que vivo. –
Olhei em volta e vi que Jim ainda estava extasiado com o que observava. – Esta é a rua do amor.
(continua)
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